segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Tribunal de rua

Madrugada de domingo, 18 de outubro de 2009. Os ponteiros marcam 1 h 20 minutos da manhã.
Evandro João da Silva entra numa agência bancária na Praça Tiradentes localizada no Rio centro para tentar realizar uma transação.
Logo depois, dois homens adentram o mesmo recinto e entram num conflito com Evandro. Obviamente trata-se de um assalto, e por um acaso do destino este estava sendo gravado pelas câmeras de segurança do banco. Como manda a boa conduta, não se deve reagir a este tipo de proceder. Silva talvez num ato de desespero, ou de indignação, ou de puro reflexo reagiu. Os bandidos não tiveram dó: derrubaram o homem e lhe aplicaram um tiro certeiro.
Levaram como troféu de conquista uma jaqueta e um tênis que eram utilizados pelo rapaz.
Os ladrões caminhavam tranquilamente pela calçada com os objetos furtados em mãos, quando numa fração de segundos vê-se uma viatura da polícia chegar e logo em seguida abordá-los. Enquanto os policiais conversavam com as “vítimas”, Evandro ainda vivo agonizava no chão. Passam - se mais dois minutos e um choque! Um dos assaltantes aparece calmamente se retirando do local do crime, enquanto o outro já devia estar a milhas dalí... Num segundo momento, vê-se um dos “homens da lei” carregando e guardando dentro do carro os pertences de Evandro, que nesta altura havia falecido...
Evandro, de 40 anos, era coordenador de projetos sociais do Afro Reggae (instituição que prega a importância da inclusão social dos jovens através da música, a fim de tirá-los das ruas). Ele lutava justamente contra a violência. Estudava Pedagogia e se formaria em dezembro próximo. Um lutador...
Foi mais uma vítima da violência, da omissão e quem sabe mais uma vez da Impunidade... Foi julgado pelo Tribunal de Rua e considerado culpado! Sem mais...

domingo, 4 de outubro de 2009

Palavras...

Pobres palavras tolas jogadas ao vento. Se pudesse voltar no tempo não diria aquilo de forma nenhuma novamente...
Mas não me culpo mais, afinal de contas, há coisas que temos que sentir na pele para aprendermos, ainda que pelo mal.
Éramos muito jovens, todos com quase a mesma faixa etária. Os bons 14, 15 anos...
Todo bairro, toda comunidade têm suas gírias, falas e brincadeiras particulares entre seus moradores, e que certamente não é compactuada com quem não freqüenta aquele ambiente. Tínhamos um hábito muito estranho de em qualquer bate papo a toa simplesmente virarmos um ao outro e dizer: “Quero que você morra”.
Obviamente este não era o nosso desejo real, era apenas um jeito particular da minha turma “brincar”.
Naquele dezembro próximo ao natal estávamos todos na vídeo locadora em que Danilo trabalhava. Como sempre fazíamos, fomos jogar fliperama. Éramos viciados naquilo e ficávamos jogando horas e horas. A galera foi se enjoando e indo embora, até que ficamos só nós dois... Tínhamos uma boa amizade. Danilo era um cara inteligente, esclarecido. Era descendente de mexicano e negro. Muito magrinho, sempre usava boné virado pra trás e botas. Tinha dois apelidos dados pela turma.
Ariba (pelo fato de ter o pai com tradições mexicanas), e Morte (pelo fato de ser bem pretinho e magrinho).
- E ae Ariba, vai viajar no Natal cara? Perguntei
- Vou sim! Vou pra Itanhaém.
- Fica no prédio cara, a galera vai passar toda por aqui!
- Não posso, vão todos meus familiares!
- Então quero que você morra! E de preferência afogado!

Demos algumas risadas e continuamos nossa batalha virtual.

- Bem, vou nessa velho! Feliz natal pra você e pra sua família! Volta quando Ariba?
- Só ano que vem...
- Então beleza, até mais...

Saí correndo dali e fui para casa. Já era quase noite e minha mãe detestava que eu freqüentasse fliperamas...
O natal chegou, tudo em paz e harmonia! A galera do bairro estava toda junta, como todos os anos...
Só faltava o Danilo e seus irmãos, mas estava tudo bem, afinal ele devia estar feliz na praia com sua família!
Naquela madrugada não consegui dormir direito. Até hoje não gosto de sonhar, acho que fico impressionado demais com as coisas e minha mente fica me atormentando. Sonhei que eu estava numa praia linda, um céu azul maravilhoso! De repente o tempo fechava e o mar se transformava num inimigo mortal. Queria me puxar pra dentro dele a qualquer custo. Eu suava frio e ouvia uma voz me chamando bem de longe. A voz foi ficando cada vez mais perto, até que percebi que não estava mais sonhando, pois alguém estava me chamando à janela de casa...
Acordei aliviado...
Abri a janela, tinha um céu lindo! Era dia 26 de dezembro.
- E ae Plif, beleza cara?, perguntei...
- Mais ou menos velho... respondeu com a voz rouca
- Que foi?
- Desce ae, preciso te falar uma coisa!
- Fala meu, que aconteceu?
- O Ariba morreu!
- O que?
- Ele morreu cara...
- Não acredito... Você ta brincando?
- Não cara, ele morreu mesmo...

Meus olhos se encheram d’água.

-Morreu do que, como foi?
- Afogado velho...

Imediatamente veio a minha mente o papo em que tivemos dias atrás. As palavras que eu tinha dito e que viraram verdade... Chorei de dor, de remorso, de culpa. Minha cabeça girava a mil por hora, mas de nada adiantava...
Carreguei por muito tempo essa culpa. Fiquei muitos anos sem entrar no mar... Hoje vejo as coisas de forma diferente.
Temos que pensar nas palavras que dizemos às pessoas que amamos para não cometermos erros como este...
Esteja em um bom lugar meu velho!